Literatura Viva |Frederico Garcia Fernandes | UEL
Dispneia Distópica, Edra Moraes – publicado pela editora Patuá de São Paulo.
Trata-se de seu primeiro livro de narrativas. Edra é uma poeta, ativista e produtora cultural, que mesmo residindo fora da cidade, tem mantido sólidos vínculos com a rede de escritores e literatos da cidade de Londrina, seja por meio de sua participação na curadoria da mostra de videopoemas do Londrix, Festival Literário de Londrina, seja pela sua voz feminina e sexualizada de uma mulher que denuncia a hipocrisia dos caprichos de um mundo masculinizado.
Dispneia Distópica é um livro que agrada a gregos e troianos.
Apreciadores das narrativas curtas e de impacto se depararam com o tom lírico em que verbos de ação, fundamentais na estruturação do narrar, têm seu brilho ofuscado pela intensidade poética de uma linguagem muito bem arquitetada. Amantes de contos longos poderão se deliciar com a justaposição das narrativas menores que, como células, juntam-se para formar a tessitura de uma trama maior e mais densa.
Dispneia, como lembra o apresentador do livro, Zeca Correa Leite, trata-se da dificuldade de respirar, em que o indivíduo sofre de uma ofegância incômoda. Tirar o fôlego, na forma como o título sugere, tem menos a ver com a expressão de deslumbramento, a qual nos liga ao apelo estético. Ao contrário, a dispneia, aqui, nos leva à zona agônica, ansiosa e opressiva de luta pela vida, e que ao mesmo tempo testa nossa capacidade de sobrevivência. Não custa lembrar que agonia vem de agón, que quer dizer enfrentamento e luta.
A agonia origina-se no sofrimento de quem busca vencer seu oponente. O conjunto de contos curtos, formadores de uma narrativa fragmentada e justaposta, lembram poemas em prosa situando o gênero do livro num horizonte de possibilidades.
O primeiro conto, “Janelas da Quarentena”, narra o movimento do mundo, pelo trânsito de pessoas, ambulâncias, dos carros de netos que visitam avós, de policiais que executam uma ordem de prisão, de manifestantes contra o isolamento, do IML recolhendo um cadáver, de uma casal adolescente e bêbado fazendo sexo na rua. O clichê não está na afirmação de que as janelas são os olhos da alma. O clichê está nas palavras mal mastigadas no dia-a-dia que não nos deixa saborear a ideia de que uma janela é uma pequena porta de passagem, onde há um intenso e humano trânsito do mundo circulando por nós e de um fluxo interior de nossos pensamentos, nos equilibrando na corda bamba do mundo. Este ir-e-vir de coisas que passa por uma janela sinaliza para aquilo que entra pelo ver, mas também do que sai de nós por aquilo que vemos. Um prédio com moradores em agonia e voyeurs se deliciando com o bizarro teatro humano. Diz a poeta-narradora:
“Pensar é sempre uma ofensa para o outro. O que pensa o outro? E por que pensamos se o que o outro pensa nos importaria? Olhou a janela e uma ambulância cortou o silêncio, estes anúncios de morte, este som de quem tem pressa. A vida tem pressa, a morte não. A morte espreita, olha como eu pela janela, espera o momento certo para o bote. A morte neste momento espreita a cidade. Busca por amores fracassados, bate em casa onde o nascimento havia trazido uma esperança. A morte não poupa casais felizes, nem os infelizes. A morte é o personagem principal de todos os jornais. Os noticiários se tornaram um imenso obituário e um supercomputador faz os cálculos de quantas vidas perdemos, quantas vidas poupamos. E de tanta morte, a vida ganhou um destaque nas entrelinhas. A ausência tornou a presença tão importante. Como sofrem os filhos que há anos não visitavam os pais, sofrem também por agora não poderem visitá-los.”
Pode ser que a poesia origine-se das imagens que nos tocam ao olharmos por uma janela. Pode ser que exista nessa imagem algo que nos desperte para a nossa própria realidade interna. Mas não importa aqui de onde vem a poesia, o que importa é que sua forma arrebatadora sempre exigirá um modo de narrar sobre o qual o escritor é uma ferramenta de execução.
O Literatura Viva é um canal de divulgação científica e Cultural vinculado ao projeto de pesquisa Festivais Literários, que conta com o apoio do CNPq. As gravações desta coluna estão disponibilizadas no site fredericogarciafernandes.com.br e podem ser acessadas gratuitamente. Esta foi Edra Moraes e eu sou Frederico Garcia Fernandes, estamos aqui para lembrar que sua vida é a grande obra literária
Serviço:
Título: Dispneia Distópica | Contos
Autora: Edra Moraes
Editora: Patuá
https://www.editorapatua.com.br/dispneia-distopica-de-edra-moraes/p
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